Nos últimos tempos ando acompanhando de perto a
queda livre dos juros aqui no Brasil – e com algum esforço, tento entender tudo
isso. A princípio me ocorreu que as taxas de juros quando brutalmente reduzidas
(como foi o caso) só poderiam significar um coisa: uma medida tomada pelo
Governo Brasileiro visando se tornar um país de primeiro mundo, ao menos
economicamente. Sim! Do ponto de vista econômico pode-se dizer que o que
“emperra” o Brasil são as exorbitantes taxas de juros, que inviabilizam
investimentos no país. O Estadão diria: “enfim baixaram a guarda, e o Brasil
vai pra frente”. Partindo desse ponto de vista, esta derrubada dos juros
poderia significar a passagem do Brasil para o primeiro mundo, não só
economicamente! (muitas palmas) Não que eu acredite nisso, mas...
A constante
desvalorização do Real frente ao Dólar e os consecutivos déficits da BOVESPA
cristalizam minha hipótese, o Brasil abre muitas portas para investimentos de
toda sorte. Mas, como minha mãe sempre diz, só acredito vendo! Por isso, me
mantive caladinho até o dado momento.
Ontem ao conversar com minha namorada, chegamos
(não me pergunte como) ao assunto economia. Ela estuda COIN (rs!) - comércio
internacional – e por se tratar de uma visão baseada em uma perspectiva que
certamente não é igual a minha, fiz questão de prestar muita atenção em tudo
que ela me falava. Passamos por todo esse papo acima, até que... Ela me contou
sobre os novos procedimentos da caderneta de poupança, cujos rendimentos agora
variariam de acordo com a taxa Selic, não mais apresentando um rendimento fifío
(fixo + pífio). Podendo render mais ou menos do que o habitual todo mês, já
que, a taxa Selic é que nem bunda neném, você nunca sabe o que vem a seguir.
Neste momento minha cabeça estalou! Finalmente consegui
entender a significado de tudo isso. A queda dos juros facilitadora de
investimentos arrojados (como dizem os bancos) se conecta com a alteração do
formato da poupança, que de um investimento tido como conservador (mesma fonte
do parêntese anterior!) se transforma em um investimento não tão “sem emoções”,
como o era. A poupança nesse momento gera riscos para quem investe seu
dinheirinho nela (A Classe Média piiiiiiiiiiiira), os riscos não são tão
grandes como na bolsa de valores e similares, mas agora, meu caro investidor
conservador você pode colocar uma quantia na poupança, calcular quanto esta vai
render num determinado período e, vu Alá, no final deste período o seu
cálculo, muito possivelmente, estará errado: a poupança poderá ter rendido
desde um valor muito inferior (sim, isso é possível) como um valor muito maior.
Como diria Winston Churchill e seu célebre charuto: “O Liberalismo é assim”
pausa para uma tragada no charuto “é feito de oportunidades, quem melhor
aproveitá-las, vencerá”. Se preparem meus amigos, as paranóias com relação a
segurança crescerão em progressão geométrica!
Para você que não
entendeu ainda, essas medidas adotadas pelo Governo Brasileiro, em conjunto,
nos levam a um incentivo (para qualquer um) a investimentos arrojados –
que na língua da plebe, significam aqueles que apresentam certo risco ao
investidor – e ao desencorajamento de práticas mais conservadoras – que
na língua da plebe, significa trazer riscos ao pobre, digo, investidor – de tal
sorte que as classes emergentes que estão nos primórdios de sua acumulação de
capital (juntá dinheirin todo mês) se sentem, de tal maneira, estimuladas a
integrar, cada vez mais, os hall dos investidores. Em outras palavras o abismo
de SEGURANÇA E ESTABILIDADE que havia entre a poupança e os
investimentos arrojados diminuiu. O potencial mercado investidor de R$ 431,3
bilhões que se encontra “morto” na chatice da caderneta de poupança se vê agora
mais próximo de se investido em outras áreas. “Se não é pra ser seguro e
estável, o melhor, então, é arriscar” - doce engano...
Durante a conversinha cult com minha namorada
ontem, foi inevitável a lembrança de um livro que li há quase dois anos: Stupid
White Men – Uma Nação de Idiotas do escritor e cinegrafista (cantor nas
horas vagas) americano Michael Moore. Neste livro de leitura simples e muito
gostosa, Moore aborda, entre outros assuntos, a história da bolsa de valores
americana e uma grande mudança que esta sofreu na passagem dos anos 70 para os
80 – detalhe: este tema também é abordado, porém com menos
detalhes, no filme, do mesmo Michael Moore, Capitalismo – Uma História de
Amor. No livro, Moore nos fala do American Way of Life e o rascunho do
rascunho de Estado de Bem-Estar Social que se deu nos Estados Unidos após a
segunda guerra mundial. Segundo este relato, as coisas eram de fato como é
retratado nos filmes (talvez com menos glamour), a economia ia muito bem e os
salários eram excelentes (até para cargos baixos). O American Way of Life era
defendido com unhas e dentes por todos, pois era algo que agradava a grande
parte da massa, e – bem diferente do que é hoje – na maioria dos casos, se uma
pessoa se esforçasse durante toda sua vida, através de um “trabalho
enobrecedor”, a recompensa, a felicidade, a vitória no American Way of Life era
óbvia – o próprio Pai de Moore era um operário da GM da cidade de Flint,
Michigan e foi um “vencedor”. Tudo dava certo para as pessoas (eu disse
pessoas, negros e pobres não eram pessoas nesta época – talvez até hoje...).
Durante esse período a economia, o mercado, e também as empresas iam muito bem,
até a virada dos anos 70 para os 80.
Como é comum na história, nada se explica
simplesmente como uma fórmula matemática, há um conjunto de fatores que se
influenciam entre si que nos conduzem a mudanças. Neste caso, Moore descreve
que o mercado das empresas, que era muito bom até então, começou a ficar
saturado e era necessário arrumar algum outro meio de “girar a economia”. Foi
então que veio a idéia genial de um dos chefões do mercado, de abrir a bolsa de
valores para essa Classe Média que colhia os frutos do American Way of Life. A
este ponto, a acumulação de capital desta parte da sociedade era enorme. Todos
acreditavam plenamente no ideal de juntar seu dinheirinho durante toda a vida e
ter uma velhice tranquila. A Classe Média transbordava dinheiro “morto”
guardado em bancos – por mais consumistas que fossem, poupavam dinheiro. Neste
momento os meios midiáticos de comunicação assumem relevante importância. Isso
mesmo! A mídia entrou em ação para divulgar com todas as suas forças a maneira
de “vencer na vida antes da hora” através da bolsa de valores. Na verdade, os
primeiros a investir se deram muito bem. A ascensão social dos primeiros
investidores foi fator amplamente explorado pela imprensa para espalhar por
toda a Classe Média a necessidade de investir, caso contrário, você seria um
perdedor. Não sou nenhum defensor da miséria evangélica, mas em matéria de
capitalismo, ser arrojado significa perder tudo a qualquer momento, a menos,
que se seja rico, ai tudo fica mais fácil. A mídia continuou seu trabalho de
divulgação e associou o American Way of Life com essa nova fase de
investimentos, de arriscar - aquele papo todo do Churchill. Tudo ficou mais
simples graças a Guerra contra o Comunismo (que exigiu a união de todos em
volta do estilo de vida americano) e graças a Ronald Reagan que assumiu a
presidência americana e acabou de vez com o rascunho do rascunho de Estado de
Bem-Estar Social americano levando o país a “rédeas curtas” durante o período
de crise. Crise? Talvez você se pergunte: “qual crise? Não estava tudo bem?”.
Pois é meu caro leitor, como disse, as mudanças não se dão isoladamente. A
simples abertura da bolsa de valores para a Classe Média não resultaria em
tantos problemas. Mas, entretanto, porém, todavia, a ação conjunta de bolsa de
valores, mídia e governo, foi mais do que suficiente para a emersão de uma
crise e a “necessária” contenção desta. A mídia com seu papo nacionalista e
puritano (tipicamente americano) conduziu a massa que havia juntado seu
precioso dinheirinho durante toda a vida para um caminho sem volta.
O
investimento na bolsa de valores era então parte do American Way of Life. As
famílias aplicaram todo o seu dinheirinho batalhado durante toda a vida na
promissora bolsa de valores esperando um retorno rápido que as levasse da
casinha Ranch para uma mansão de frente para o mar em um piscar de olhos. Só
tem uma coisa, eles esqueceram que o capitalismo não comporta riqueza
universal, a desigualdade é condição sine qua non para o capitalismo.
Iludida e ludibriada, a Classe Média acreditou no conto de fadas que o Titio
Adam Smith contou sobre a “riqueza universal” e investiu pesado. Como disse, no
começo foi só alegria: a bolsa de valores cumpria bem mais do que prometia –
muitas pessoas subiram na vida rapidamente. Os “poupanceiros” indecisos, ao ver
o sucesso dos investidores arrojados, se jogaram de cabeça. Com o número
crescente de pessoas que entravam no negócio da bolsa de valores, os lucros
antes exorbitantes, começaram a cair. Passaram de maravilhosos, para bons,
legais, meia-boca e por ai vai. A mídia fez sua parte em afirmar através de
“especialistas em economia” que a diminuição dos lucros, e depois aparecimento
de prejuízos, eram algo passageiro, que as pessoas não deveriam se encucar com
isso – aos poucos a galinha dos ovos de ouro iria se recuperar, mais hora ou
menos hora. Neste meio tempo os grandes investidores (os grandes meeeesmo, não
a ralé da Classe Média) foram aos poucos se retirando do mercado de ações, em um
movimento conjunto. Muitos deles venderam suas ações na “época boa”, ficaram
ainda mais ricos e foram viver de boa pelo resto de suas vidas em algum paraíso
tropical. Outros optaram por vender suas ações e esperar. Já a massa, tonta
como sempre, se manteve esperando, mesmo com a desvalorização das ações. Em um
belo dia ensolarado, a mídia deu o sinal de alerta (ou a ordem, se preferir): A
BOLSA DE VALORES NÃO É MAIS UM BOM NEGÓCIO, CAIA FORA DESSA! Foi um samba
do crioulo doido. Nesse momento os que ainda tinham ações resolveram
desesperadamente se desfazer delas. Todo o sonho de uma vida havia sido jogado
fora. Mas naquele momento terrível, dramático, diria até de tragédia, que boa
alma se ofereceria para comprar as ações tão desvalorizadas? Quem seria o anjinho
que devolveria pelo menos o mínimo do dinheirinho da vida das pessoas que
aplicaram na bolsa? É claro, que foram os mesmo senhores que abriram a bolsa de
valores para essa população e então generosamente reconheceram sua falta,
comprando de volta todas as ações, porque seria muita sacanagem deixar todas
aquelas famílias desamparadas, tendo em mãos, apenas um papel que não mais
traria a tão prometida felicidade.
Após alguns minutos me recompondo no toilette,
volto pra falar mais dessa história tão triste. A crise então estava
instaurada. A economia americana foi de mal a pior. Era preciso um presidente
de pulso firme, um presidente republicano que erguesse o país. Quem é este
homem? O nosso querido, famoso, galã e ex-ator Ronald Reagan, Ronny para os
íntimos (foto à direita. Hey Ronny beleza?). Diante da crise, o Estado
americano precisava se levantar, logo, as políticas públicas precisavam ser
cortadas porque além de fazer o Estado gastar muito, era coisa de comunista
devorador de criancinha – o rascunho do rascunho de Estado de Bem-Estar Social
nos EUA foi para a lata do lixo (na versão moderna, isso se chama: medidas de
austeridade. Né Angela Merkel?). Como solução precisa e necessária para
reerguer a Nação e vencer a Guerra Fria, o homem da frase: “Você consegue
realizar muito se você não se importa com quem ganha o crédito.” estabeleceu
que: pobre que não investe deve ser taxado e rico que investe deve ser isento.
O que houve depois disso é o que existe até hoje nos States, os pobres pagam os
impostos dos investimentos dos ricos. Simples assim. É nóis Ronny!
Logicamente que esses
generosos senhores que investiram o dinheirinho deles nos Estados Unidos não se
preocupavam com o retorno, o lucro que viria a seguir, e sim, com o futuro da
nação. Claro que sim! Do contrário não teriam aberto mão de todos os lucros dos
investimentos e partilhado tudo isso com as famílias lesadas na abertura da
bolsa de valores... Ops! Desculpem-me, estava com o livro errado sobre minha
mesa! Não era a coletânea de princesas da Disney que eu deveria estar lendo. É
óbvio que todo o retorno provindo desses investimentos ficou justamente na mão
dos senhores de Wall Street. A situação seguiu, e a economia americana se
ergueu novamente. Os impostos continuaram com os pobres. As ações (agora
muuuuuito valorizadas) continuaram com os ricos. E o pintinho piu. Tem gente
que chama isso de economia ou política-econômica, eu particularmente prefiro o
termo golpe, ou talvez melhor: Golpe Palaciano.
Toda essa reflexão sobre o livro de Moore nos mostrou como a classe dominante com o auxílio do Estado e da mídia conseguiu se valer de uma série de coisas para se apropriar do dinheirinho “morto”, “poupanceiro” e conservador da Classe Media.
Hoje em dia no Brasil existe um imposto sobre as
poupanças que têm mais de R$ 50 mil – uma clara forçação de barra para que você
rico de classe média alta ou classe alta baixa se toque e pare com essas coisas
de pobre medroso e comece a investir por ai!
Como futuro cientista social,
acredito que uma das minhas funções nessa sociedade é analisar fatores que
podem estar relacionados, de imediato ou não, para então ser capaz de perceber
tendências e inclinações desta sociedade. Lógico que tudo isso que nosso amigo
Michael Moore descreve em seu livro, aconteceu nos Estados Unidos e não tem
nenhuma obrigação de acontecer no Brasil. Como estou aqui na cara larga
tentando dar uma de Mãe Diná, corro o risco de errar, e na realidade esse
conjunto de fatores acabar por nos levar para algo diferente. Mas, me sinto na
obrigação de opinar e optar pelas possibilidades que acho mais prováveis.
Embora o Brasil nos dias de hoje não esteja passando por crises, não tenha um
governo com todas as características de um governo republicano, não esteja
envolvido em guerras ideológicas, e mais importante: não seja os EUA, vejo
fatores relevantes para ficar alerta. No Brasil há uma Classe Média ascendente
(Classe C) que junto com as outras camadas da sociedade totalizam R$ 431,3
bilhões investidos na caderneta de poupança, juntamente com uma mídia pouco
confiável que está muito longe de ser imparcial, e o mais importante: uma massa
populacional que assim como a americana, se encontra desnorteada, à espera de
um guia – seja ele do meio político, do midiático ou mesmo do meio espiritual e
religioso – que conduzirá essa massa imersa em meio a inércia que se encontra
disponível para a obediência - justamente por falta de determinação própria.
Esses fatores citados acima quando colocados no mesmo plano de uma mudança
estrutural da política econômica, são pilares muito bem constituídos para a
reprodução do que Moore descreve em seu livro, porém, dessa vez, aqui no
Brasil.
Sites consultados (05/05/2012 - 09:00 às 12:00):
http://pensador.uol.com.br/autor/ronald_reagan/ (você não achou que eu saberia de cor uma citação do nosso Ronny?)
http://economia.terra.com.br/noticias/noticia.aspx?idnoticia=201205041025_TRR_81165670
Tche
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